quinta-feira, 29 de outubro de 2009

CONSTRUÇÃO CASEIRA DE EQUIPAMENTOS QRP -II: adaptação de um amplificador linear da banda do cidadão para operação na banda de 80m (Março 2007)

No artigo anterior publicado no nº 302 na revista QSP do mês de Agosto, descrevi a construção de um transceptor de QRP que opera na banda dos 80m, 40m e 20m. Este modo de operação apesar de ser muito aliciante, é muitas vezes dificultado pelas condições de propagação que dificulta, ou mesmo inviabiliza, os QSO’s nocturnos que se estabelecem de forma mais ou menos regular na banda dos 80m e onde é possível encontrar muitos radioamadores CT’s que, de forma religiosa, aí comparecem diariamente.
As dificuldades que por vezes os interlocutores experimentam quando estabelecem contacto com as estações QRP, nomeadamente em contactos mais prolongados, tornam necessário (em certas situações) o reforço do ganho dos sistemas emissores de forma a tornar mais cómoda a recepção dos sinais. Tendo este facto presente decidi-me pela aquisição de um pequeno amplificador o qual, depois de algumas modificações, cumpre na integra o objectivo proposto.
O amplificador adquirido é comercializado para operar na banda de CB nos modos de AM/FM e SSB com uma potência de 60W.

Figura 1- Vista exterior do amplificador adquirido (dimensões:12 x 4 x 12 cm).

Este amplificador vem equipado com um transístor SD1446. O circuito de entrada compreende uma malha adaptadora com uma configuração passa baixo em L (condensador à massa e bobina ligada à base do transístor). O circuito de saída compreende também uma malha de adaptação de impedância em L (bobina ligada ao colector e condensador na outra extremidade ligado à massa). De acordo com os dados do fabricante do transístor debita uma potência de saída de 70W com um ganho de 10dB na frequência de 50MHz, alimentado com 12,5V.
Depois de feito o levantamento do circuito, rapidamente verifiquei que o transístor amplificador trabalhava polarizado em classe C, não só nos modos de AM/FM mas também em SSB (polarização inadequada).
O circuito de comutação do relé de antena (emissão/recepção) é efectuado através da rectificação do sinal de excitação do amplificador (sinal RF de entrada). O comutador AM/FM e SSB apenas selecciona uma capacidade de valor mais elevado modificando a constante de tempo da célula de filtragem, permitindo, assim, manter o relé atracado entre a dicção das sílabas proferidas pela voz do operador.
Após a análise efectuada, comecei a delinear as modificações necessárias para converter o amplificador para a banda de 80m. Seria, pois, necessário modificar as malhas de adaptação de impedância de entrada e de saída (redimensioná-las para a frequência de 3,7 MHz) e, também, alterar o circuito de polarização do transístor para possibilitar a correcta operação em SSB.


Malhas de adaptação de entrada e saída:

Consultadas as folhas de características do fabricante do transístor de potência, verifica-se que elas contêm as informações das impedâncias complexas, de entrada e de saída, para as frequências compreendidas entre 30MHz e 90MHz, muito acima da gama de frequências da banda dos 80m. No entanto, e pelo facto de desconhecer outros dados, optei por considerar as impedâncias complexas de entrada e de saída correspondentes à frequência de 30MHz para uma tensão entre colector e emissor (VCE) de 12,5V, respectivamente, 0,8 + j 1,3 ohm e 1,2 + j 0,9 ohm. Os valores considerados serão muito diferentes dos valores das impedâncias reais a 3,7 MHz mas na prática o circuito, depois de modificado, funciona relativamente bem.
O redimensionamento das malhas de adaptação de impedância foi então efectuado para a impedância de 50 + j0 ohm, na frequência de 3,7MHz. Nos Handbook editados recentemente pela ARRL, e também nos Radio Communication Handbook da RSGB, podemos encontrar exemplificados todos os procedimentos matemáticos que permitem o cálculo das malhas de adaptação.
Para quem está menos familiarizado com a notação complexa de impedâncias, 50 + j 0 ohm representa uma impedância cuja parte real corresponde a uma resistência de 50 ohm, e a parte imaginária a uma reactância nula, 0 Ohm, ou seja estamos neste caso perante uma resistência pura.
Em http://bwrc.eecs.berkeley.edu/Research/RF/projects/60GHz/matching/ImpMatch.html encontrarão uma ferramenta de cálculo que de forma muito rápida e expedita permite calcular 16 malhas de adaptação de impedância distintas.

Figura 2- Malhas adaptadoras de impedância para a entrada e saída do amplificador

Para a bobina de entrada utilizei uma forma toroidal T50-6, e para a saída uma T68-2 com o número de espiras adequado para a obtenção das indutâncias desejadas. Os dados construtivos para essas bobinas podem ser encontrados com muita facilidade nos sites de alguns clubes dedicados à construção QRP ou em qualquer Handbook.
Na malha de entrada utilizei condensadores cerâmicos, e na malha de saída condensadores de mica do tipo dos utilizados nos antigos emissores a válvulas (a estes condensadores farei nova referência mais adiante) e também um condensador ajustável por compressão.


Figura 3- Vista geral do interior do amplificador de potência depois das modificações


Circuito de polarização do transístor:

Por questões de eficiência os amplificadores de potência, que operam com sinais de SSB, trabalham em classe AB que permite garantir já uma linearidade adequada (para maior pureza do sinal, idealmente, operariam em classe A). Com esse propósito construí, numa pequena placa de epóxy, um circuito de polarização para a base do transístor de potência. O circuito utiliza um transístor BC108 e um BD139, e através de uma pequena resistência ajustável é possível variar a tensão de polarização da base do SD1446 num valor entre 0,65V e 0,8V. A caixa do transístor BC108 é colocada em contacto com a caixa cerâmica do transístor de potência (SD1446) por forma a que a corrente de base diminua com o aumento da temperatura, contribuindo assim para contrariar alguma tendência de embalamento térmico.

Figura 4- Circuito de polarização do transístor de potência.


Testes e ajustes:

Depois de efectuadas as alterações e as modificações anteriormente referidas, e antes de ligar o emissor QRP ao amplificador, verifiquei a impedância do circuito de entrada. Para tal utilizei a ponte de impedâncias MFJ 269 a qual se tem mostrado uma ferramenta de muitíssima utilidade para o ajuste e calibração de alguns equipamentos que tenho construído.
O procedimento que de seguida passo a descrever é muito simples sendo no entanto necessário tomar algumas precauções como seja, desligar a alimentação do amplificador. Este procedimento consiste em ligar a ponte de impedância à entrada do amplificador e por alteração do numero de espiras da bobina do circuito de entrada e, eventualmente, também com a modificação dos valores das capacidades de entrada, procurar obter a leitura de 50 + j 0 ohm no mostrador da ponte de impedâncias. Para simular a impedância dinâmica da junção base-emissor do transístor coloquei uma resistência de 1,5 ohm entre a base e a massa do circuito.





Figura 5- Ajuste das malhas adaptadoras de impedância de entrada e de saída do amplificador

Após os ajustes consegui uma impedância com um valor próximo do pretendido, obtendo uma relação de onda estacionária (R.O.E.) baixa que permite ligar directamente a saída do emissor à entrada do amplificador. Na frequência de 3,7MHz o valor de R.O.E. conseguido foi de 1:1,5 com uma banda passante de ±150KHz.
Para simular a impedância dinâmica do circuito de saída coloquei também uma resistência de 1,5 ohm entre o colector e a massa, e ajustei da mesma forma para obter também uma leitura próxima de 50 + j 0 ohm.
Ajustadas as malhas de adaptação de impedância, passei de seguida ao ajuste do circuito de polarização. Este ajuste consiste simplesmente em rodar o comando da resistência ajustável, partindo da posição mínima, e ir monitorizando a corrente de repouso do transístor para que esta não ultrapasse 90 mA, limitando assim a potência dissipada em repouso. Na prática não se mostrou necessário aumentar esta corrente uma vez que com este valor, não se conseguia detectar a ocorrência de distorção devida a crossover.

Figura 6- Visualização do sinal de saída correspondente à entrada de um sinal de dois tons.

Inicialmente o amplificador mostrava alguma instabilidade devido ao elevado ganho que possuía. Tenhamos presentes que temos em mãos um transístor de VHF com um ganho de 10 dB a 50MHz o que, teoricamente, considerando uma pendente no ganho de 6 dB/oitava, permite extrapolar para 34 dB de ganho a 3MHz.
Com o objectivo de aumentar a estabilidade do amplificador, diminuindo assim a tendência para a auto-oscilação, introduzi uma malha de realimentação negativa, a qual consiste simplesmente numa malha RC série colocada entre o colector e a base do transístor. A introdução desta malha de realimentação permite, também, o aumento da banda passante do amplificador, o que neste caso não tem relevância uma vez que se trata de um amplificador monobanda. Com as alterações introduzidas, o amplificador consegue debitar uma potência de 30W com uma excitação de 1W ao que corresponde um ganho de 15 dB em potência. Na figura 6 é possível avaliar a qualidade do sinal de saída, não se visualizando nenhuma forma de distorção.
Os condensadores da malha de adaptação do circuito de saída são de mica, do tipo referido anteriormente. Inicialmente utilizei condensadores cerâmicos do tipo corrente (espalmados) mas verifiquei que após alguns instantes de funcionamento eles aqueciam muitíssimo devido ao valor das correntes de RF. Após a sua substituição pelos de mica deixou de ser perceptível qualquer aquecimento.

Após todas as modificações e ajustes efectuadas este amplificador tem possibilitado efectuar vários QSO’s nos 80m, sendo bons os sinais reportados pelos vários colegas interlocutores. As alterações efectuadas neste pequeno amplificador, com um custo de aquisição de 50 euros, permitiram atingir os objectivos propostos.Uma vez mais espero que estas breves linhas continuem (ou comecem) a despertar o interesse pela construção de equipamentos. A título pessoal, dar-me-ia grande satisfação começar a ver os grupos, núcleos, clubes ou associações regionais/nacionais de radioamadores, a fomentarem no interior das suas organizações, o interesse pelas montagens de aparelhos e equipamentos, e a surgirem grupos abertos de discussão e de divulgação destas práticas.

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